Pedrinhas vão rolar
Cálculo renal não é exclusividade de gente grande. Os médicos têm flagrado cada vez mais intrusos pedregosos no canal urinário da criançada — e isso tem tudo a ver com os hábitos alimentares. Entenda por quê
No almoço, um baita hambúrguer acompanhado de fritas. Para o lanche da tarde, um pacote de salgadinhos e um refrigerante. Repita a receita por meses a fio e está armada uma bomba para — surpresa! — os rins. É que essa combinação de alimentos nada saudáveis, além de gordurosa, está repleta de sódio. “E uma dieta rica nesse nutriente aumenta a quantidade de cálcio na urina, predispondo a formação de cálculos renais”, esclarece Nilzete Bresolin, presidente do Departamento de Nefrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. Isso explica, em parte, por que nos últimos dez anos cada vez mais crianças têm sofrido com o problema (veja como ele surge no infográfico ao lado). “Elas ingerem de duas a três vezes mais sódio do que deveriam”, alerta Mauro Fisberg, pediatra e nutrólogo da Universidade Federal de São Paulo. “E é importante lembrar que esse exagero está por trás não apenas de alterações renais como de casos de hipertensão e obesidade”, acrescenta.
Claro que extrapolar no consumo de alimentos cheios dessa substância não traz a certeza de que uma pedra vai pintar no rim. Os principais alvos são os pequenos que já tiveram casos na família — aqueles cujos pais sofrem de litíase, o nome técnico para os cálculos, têm três vezes mais propensão a desenvolver o transtorno. Peso muito além da conta, sedentarismo e baixa ingestão de água também criam um ambiente favorável à formação dos pedregulhos. “Os rins precisam ser lavados para evitar o acúmulo de substâncias que se aglutinam”, ressalta Miguel Zerati Filho, chefe do Departamento de Urologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Urologia. Por isso, o ideal é que a meninada tome meio copo de água por quilo ao dia — ou seja: uma criança que pesa 20 quilos deve beber dez copos diariamente. “Não é muito, mas, como elas passam horas em frente à televisão e ao computador, deixam a sede de lado”, afirma Nilzete.
Outra recomendação é não abusar de produtos ricos em corantes, como sucos industrializados. “A maioria deles facilita a agregação de cristais na urina”, justifica Maria Goretti Penido, professora de pediatria da Universidade Federal de Minas Gerais. Para bloquear a reunião inconveniente de moléculas nos rins, o conselho é investir nos sucos naturais de limão e laranja — o ácido cítrico dessas frutas é uma arma natural contra os cálculos.
Apesar de interferirem, e muito, no bom funcionamento dos rins, a má alimentação, o sedentarismo e a obesidade não são os únicos culpados pelo aumento de casos de cálculo renal em crianças. “Hoje existe uma preocupação muito grande com prevenção”, acredita Miguel Zerati Filho. Se antes a garotada só era levada ao médico quando sentia dor, atualmente vai ao consultório mesmo sem sintomas, só para conferir se está tudo em ordem — o que, provavelmente, engrossou as estatísticas de pequenos acometidos por pedras nos rins. Sem falar na evolução da tecnologia de diagnóstico. “Agora é possível detectar cálculos minúsculos por meio de uma ultrassonografia”, conta o especialista.
Casos de litíase na infância sempre merecem uma investigação rigorosa. Eles podem estar ligados a uma malformação do sistema urinário e, em 80% das vezes, têm relação com um distúrbio metabólico, como a má absorção ou eliminação excessiva de um nutriente. “O mais comum nessa fase é a hipercalciúria, que é a excreção de muito cálcio na urina”, elucida Maria Goretti. Mas saiba que, ao contrário do que muita gente pensa, cortar esse mineral da dieta não resolve nada. Essa medida eleva o nível de oxalato no xixi, que também é um formador de cálculos. E outra: não dá para privar a molecada de cálcio, que é essencial para um crescimento saudável.
O tratamento de meninas e meninos que sofrem com as pedras em geral se resume à ingestão de muito líquido e de remédios que ajudam a dissolver os cristais. Apenas 20% dos pacientes mirins precisam de uma cirurgia. Felizmente, quando um procedimento desses se faz necessário, o organismo infantil responde muito bem à litotripsia extracorpórea, o bombardeamento das pedras por ondas de choque. “O ureter das crianças é mais complacente que o dos adultos, por isso os fragmentos são eliminados com menos dor”, afirma Eduardo Mazzucchi, urologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. De qualquer forma, se os pedregulhos andam perturbando a vida do seu filho, vale a pena controlar os hábitos dele para não chegar a esse ponto. Um bom começo é substituir aquele hambúrguer acompanhado de fritas pelo velho e bom arroz com feijão.
FONTE:http://saude.abril.com.br/edicoes/0314/familia/conteudo_491943.shtml