Haja coração!
Graças à evolução da medicina, o peito já se livrou de muitas ameaças. Ele agora tem plenas condições de bater forte por vários anos, até mesmo em quem já sofreu um infarto. Então, é o caso de você se perguntar: por que será que as doenças cardiovasculares continuam matando tanto?
por GIULIANO AGMONT
design EDER REDDER
Nas Olimpíadas de 2008, em Pequim, China, os atletas bateram recordes mundiais como um elefante pisoteando uma formiga. Bastava assistir aos jogos para ter a clara noção de que hoje o corpo humano pode mais, muito mais. Quando o assunto é medicina, a evolução da cardiologia é provavelmente um dos maiores exemplos desse poder. No que depende dos especialistas dessa área, nem mesmo quem já enfrentou um infarto tem motivo para novas queixas. As artérias coronárias são visualizadas com tal nitidez que os médicos conseguem enxergar exatamente onde podem voltar a dar encrenca — e, dessa maneira, agir sem a menor perda de tempo. As grandes cirurgias, aliás, deixaram de ser a única alternativa para corrigir obstruções nos vasos que irrigam o peito. Elas cederam espaço para medicamentos que abrem a passagem para o sangue e procedimentos infinitamente menos invasivos, como angioplastias para a colocação de stents.
No campo das arritmias, outra revolução. Os dispositivos implantáveis incorporaram recursos impensáveis há duas décadas e meia, ajustando os batimentos a cada momento, conforme a situação. Leandro Ioschpe Zimerman, presidente da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas, resume o salto de sua especialidade: “Reduzimos tremendamente o risco de morte e o paciente não só vive mais como também muito melhor”.
Apesar disso tudo, o coração mantém o nada honroso título de principal causador de mortes no Brasil — e, diga-se, no mundo. Cerca de 26% dos brasileiros que morreram em 1983 foram vítimas de um problema cardíaco. Em vez de o cenário melhorar, por mais paradoxal que seja diante dos avanços, agora 28% das mortes têm a ver com o coração. “É preciso considerar que a nossa população envelheceu, o que favorece a maior incidência de problemas cardiovasculares”, lembra o epidemiologista Aloyzio Achutti, de Porto Alegre. Ainda assim, se o coração está preparado para bater por mais tempo, não era para acontecer. O que continua parado no tempo, moral da história, é a prevenção dos males cardíacos.
“Agora, dois em cada três pacientes com obstruções nas coronárias são tratados com angioplastia”, constata José Eduardo Sousa, diretor médico do Hospital do Coração de São Paulo, considerado entre seus pares um dos pais do stent no Brasil. O dispositivo, feito uma pequena mola que se abre na região comprometida, é introduzido com um cateter por um furo na altura da virilha. Dali, viaja por vasos sanguíneos, guiado por exames de imagem, até alcançar em cheio o coração problemático.
“Hoje os stents alargam a passagem bloqueada e podem carregar remédios que dissolvem as obstruções”, conta Sousa. A simplicidade do procedimento, se comparado à velha operação de safena, faz com que médicos e pacientes não titubeiem para acabar com pequenos obstáculos à corrente sanguínea — que antes, de certa maneira, muitas vezes eram perigosamente tolerados, já que a cirurgia era das grandes e, portanto, oferecia maior risco. “Agora os médicos enxergam todos os pontos que podem dar problema dentro do coração e também conseguem vê-lo em pleno funcionamento, propondo soluções rápidas e eficazes”, comemora Carlos Eduardo Rochitte, especialista em ressonância magnética do Instituto do Coração de São Paulo. “Estamos agindo cedo”, resume.
EM 1983
O médico dispunha apenas das chapas de raios X para enxergar o coração. Muitas vezes, precisava introduzir um cateter no paciente para confirmar o diagnóstico. E 90% dos casos de obstrução em artérias eram resolvidos com o bisturi, em procedimentos que abriam o tórax do indivíduo. Nos hospitais, quase um terço dos infartados morriam. Os marca-passos, quando necessários, eram arcaicos.
HOJE
Os exames não só retratam minúcias de todos os vasos do coração como também avaliam o funcionamento do músculo cardíaco. De cada três procedimentos para desobstrução da coronária, só um requer a abertura do tórax do paciente, na operação à moda antiga. A maioria dos casos é tratada com remédios ou angioplastia. E o risco de morte no hospital após um infarto agora é menor do que 5%.