Remédios que podem causar acidentes de trânsito
Engata a primeira, acelera, cruza, desvia, freia — embora automática para os motoristas experientes, a tarefa de dirigir não tem nada de simples, levando em conta a complexidade das ações envolvidas. “Conduzir um veículo com segurança requer atenção, concentração, acuidade visual e auditiva, rapidez nos reflexos, coordenação motora, equilíbrio e discernimento para avaliar riscos”, enumera — ufa! — a neuropsicofarmacologista Mirtes Costa, da Universidade Estadual Paulista, em Botucatu, no interior de São Paulo. Mas ela está coberta de razão.
E é preciso ter clareza de que muitos remédios, inclusive os de venda livre e usados para tratar problemas comuns do dia a dia, interferem pra valer nessas habilidades. “Por atuarem no sistema nervoso central, alguns princípios ativos diminuem os reflexos e induzem a sonolência”, exemplifica o neurologista Eduardo Mutarelli, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Aí, a consequência pode ser um acidente, com toda sorte de danos físicos. Isso para não falar no risco de morte. A FDA, agência que regula alimentos e remédios nos Estados Unidos, quer colocar um freio na situação. Para isso, acaba de soltar um alerta sobre as drogas que não caem bem no organismo de motoristas, sugerindo alternativas para quem está sob tratamento. Por aqui, o assunto também é levado muito a sério. “Estamos desenvolvendo um site em que os médicos poderão consultar se determinada doença ou remédio interferem nas reações ao volante”, adianta a SAÚDE! Fabio Racy, um dos diretores da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego. “Há ainda a expectativa de que, em breve, seja aprovada uma lei obrigando os laboratórios farmacêuticos a estampar um aviso na embalagem das drogas que representem algum risco no trânsito.”
É impossível prever se determinado medicamento será capaz de tirar o motorista do prumo. Isso porque, entre as diversas classes de drogas existentes, as formulações variam muito — e as reações individuais mais ainda. Só um médico conhece a fundo essas composições e pode avaliar o impacto delas no corpo de seus pacientes. Por esse motivo, a primeira lição é a de sempre: evitar a automedicação. “Siga à risca as doses e os intervalos prescritos pelo especialista”, aconselha o neurologista Eduardo Mutarelli. E, claro, questione-o a respeito dos efeitos colaterais.
Mas só isso não basta. Continue de olho na maneira como seu corpo reage ao início de um tratamento. “Ao introduzir antidepressivos ou ansiolíticos, não é raro que o excesso de sono e tontura se instalem”, exemplifica o neurologista Mario Peres, da Universidade Federal de São Paulo. “Normalmente, esses sintomas tendem a desaparecer após as primeiras semanas. Mas, durante esse período, talvez seja preciso abrir mão da direção”, continua o especialista em neuropsicofarmacologia Eduardo Carvalho-Netto, da Universidade de São Paulo. Engolir o comprimido à noite, antes de dormir, é uma alternativa. Assim, pela manhã, você estará de novo alerta para pegar o carro.
Se os sintomas não desaparecerem depois de um tempo de adaptação, discuta com o médico sobre a possibilidade de substituir o remédio por outro similar. E atenção: todos esses cuidados não devem ser deixados de lado com os medicamentos de venda livre. “Evite tomá-los a torto e a direito. Em casos de real necessidade, pergunte ao farmacêutico responsável se é arriscado conduzir um veículo sob a ação da droga”, ensina Carvalho-Netto. Isso faz toda a diferença. Alguns antigripais, por exemplo, não contêm anti-histamínico, portanto não causam sonolência nem comprometem a atenção. Outros, porém… Os motoristas, portanto, devem tomar a primeira opção.
Convenhamos: diante de uma dor de cabeça alucinante ou de uma náusea insuportável, é inevitável buscar alívio na farmácia doméstica. “Mas então procure esperar de duas a três horas para enfrentar o tráfego”, recomenda Carvalho-Netto. Esse, em tese, é o prazo mínimo necessário para você notar se o remédio está afetando suas condições físicas e mentais. Mas sejamos honestos: não dá pra confiar somente no autojulgamento. É como aquelas pessoas que bebem quatro latas de cerveja e acreditam que estão em perfeito estado para assumir o volante. Na dúvida, as saídas mais seguras são delegar a função de motorista a outra pessoa ou deixar o carro na garagem, apelando para o transporte público, chamando um táxi ou — por que não? — aproveitando para fazer uma saudável caminhada.
FONTE:http://saude.abril.com.br/edicoes/0313/medicina/conteudo_486547.shtml